“O homem entrou em minha casa, munido
de um lampião e uma foice. Eu o vi pela janela, perambulando, como se achasse
que estávamos dormindo. Sai da casa, e fiquei escondido atrás de uma arvore no
jardim. A mais próxima da porta dos fundos. Quando ele passou, eu peguei um
pedaço de pau e bati com força na cabeça dele. Ele tombou. Teria morrido?
“Não. Ele deu uma risada como um
caiçara entretido, indiferente à minha pancada, e até mesmo indiferente à minha
presença. Ele entrou como se nada tivesse acontecido. Foi direto até o quarto
de minha filha Elisa. Eu o puxava, o forçava, empurrava e batia. Ele dava
aquele riso descontraído, indiferente, e dizia alguma coisa em uma língua
estranha. Parecia tupi. Ergueu a foice e com brutalidade passou a lamina pelo
pescoço da garota de 12 anos. Eu gritei. Dei-lhe outra pancada. Ele caiu no
chão, desacordado por dez segundos, até aquele riso maldito recomeçar.
“E o infeliz falava comigo. O que ele
queria dizer, eu não sabia. Mas ele parecia justificar o que fazia. A menina
estava morta na cama, com a cabeça cortada, embora não havia nenhuma gota de
sangue sido derramada. Eu gritei de dor. Segurei-o pelos braços, bati nele,
derrubei no chão, o chutei. Ele levantou e, desvencilhando-se de minhas
agressões foi até o quarto onde Lucita, a empregada, dormia. Ela estava
acordada. Não o viu. Em pé, ele deslizou a foice pelo ombro direito dela até
atingir o coração, e ela caiu no chão, morta.
“Gritei, num uivo de ódio e desespero.
Maldito seja. Ele ria, e me explicava como se aquilo fosse natural, o que quer
que estivesse dizendo com aquela cara cínica. E na porta ao lado, entrou no
quarto de minha mãe. Quando levantou a foice para o golpe mortal, eu a
arranquei da mão dele, e resolvi matá-lo. Ela atravessou a superfície de sua
pele, como se nem ao menos existisse. Ele riu e me explicou o que acontecera.
Derrubei a foice. Ele a pegou do chão e foi explicando sua rotina. Tinha
pressa.
“Matou minha mãe! Ele matou minha mãe,
que ficou ali, inocente em um sono dos anjos. Chegou até a porta do quarto meu
e de minha esposa. Ele estalou os dedos, como se quisesse chamar minha atenção
para alguma coisa. Apontou para Luciana, minha mulher, que levantava da cama,
lentamente, com olhos quase fechados, sentindo muito sono. Mas não a matou.
“Fiquei surpreso. O homem deu as costas para nosso quarto e caminhou em
direção à cozinha. Eu o segui. Ele chegou perto do fogão, e apontou para o
próprio nariz. Me aproximei. O gás do fogão estava aberto. Desesperadamente,
tentei girar o botão, mas não havia força que pudesse fazê-lo girar. Olhei para
o homem, ele sorriu com um olhar de pesar, e ergueu a foice. Quando minha
mulher chegou na cozinha, ela tocou no
interruptor da luz. Ao passo que seus dedos ligavam a luz, a foice caia sobre
ela que, num susto, morreu.
“Eu acordei no meu escritório, após
dormir diante de minha máquina de escrever, e soube horas depois que minha casa
havia explodido e a morte levado toda a minha família.
Publicado originalmente em maio de 2012 no meu antigo Blog.
https://alex-pedro.blogspot.com/2012/05/o-surpreendente-caso-de-oswaldo.html