Cena escrita logo após a conclusão do meu curso no
CPT – Centro de Pesquisa Teatral em maio de 2017.
Uma idosa está no palco, sentada a espera de algo num aparente ponto de ônibus. Entra um homem velho com um guarda-chuva.
HOMEM
VELHO: Tá esperando qual?
IDOSA: O
meu, e o senhor?
HOMEM
VELHO: Espero que o tempo ruim passe logo.
IDOSA: Ah,
sim. Passa, mas não é toda hora.
HOMEM
VELHO: (lhe oferecendo balas) A
senhora aceita?
IDOSA: Eu
tenho aqui, obrigada.
HOMEM
VELHO: A senhora tem de canela também?
IDOSA:
Não,
as minhas são de maçã verde.
HOMEM
VELHO: Gosto de maçã verde.
Os dois se beijam
timidamente. Constrangida, ela tira os óculos e olha para os próprios pés. Ele
tira a boina e parece arrependido.
HOMEM
VELHO: Desculpe. Nos conhecemos?
IDOSA:
Sim.
HOMEM
VELHO: De onde?
IDOSA:
Daqui, de agora a pouco.
HOMEM:
Parece
que te conheço de menino.
Ela passa as mãos nos
cabelos dele e os agita tirando o talco. Ele parece agora mais jovem. Os ombros
dele se erguem. Ele fica tímido.
IDOSA:
De
menino, como vê.
RAPAZ:
Altamiro.
Sua graça?
IDOSA:
Maria
da Graça.
RAPAZ:
Seus olhos são lindos, sabia?
Ela, constrangida, cobre o
rosto e num gesto involuntário, acaricia os cabelos, tirando a peruca grisalha.
Seus cabelos caem soltos nos ombros.
MOÇA: O
senhor... É... Está me... Deixando constrangida.
RAPAZ:
Desculpe, Maria. - Realmente nos conhecemos. Há bastante tempo.
MOÇA:
Sim.
RAPAZ: Não
pode ser daqui.
MOÇA:
Porque
não?
RAPAZ:
Parece
tanto tempo.
MOÇA: E
quem disse que o tempo da vida é o que está no relógio. O último segundo da vida, tipo, sabe, aquele, meio
que o ultimo ar que se solta... Deve
ser tão longo, assim como passam rápido aqueles momentos mais felizes. O senhor precisa...
RAPAZ:
Senhor?
MOÇA:
Qual sua idade?
RAPAZ: Depende.
MOÇA:
De... ?
RAPAZ:
Antes ou depois de...
MOÇA: Me
conhecer?
RAPAZ:
Acho que perdi.
MOÇA: O
que?
RAPAZ: O
tempo ruim. Passou. Qual é o seu destino?
MOÇA: Eu
estava esperando, só isso.
RAPAZ:
Será que sou eu?
MOÇA:
Acho que não. Eu esperava alguma coisa grande.
RAPAZ:
Mais que uma pessoa?
MOÇA:
Não
sei.
RAPAZ:
Tipo, é... Um filme?
MOÇA:
Isso!
Um filme bom.
RAPAZ:
Tipo qual?
MOÇA:
Cinema Paradiso.
RAPAZ: Mas
a gente termina chorando pelos beijos que não foram dados.
MOÇA: .
RAPAZ:
Percebe que interessante. Dá pra voltar no tempo só de um olho olhar dentro de outro. Dá pra se conhecer
jovem sem termos nos encontrado antes.
MOÇA: Eu
não estou certa disso.
Ela tenta recolocar a peruca
com o coque, mas ele a impede.
RAPAZ: A
gente pode ficar velho de novo só com um gesto. Não faça isso, Maria.
IDOSA:
Gosto de ser velha.
Coloca a peruca outra vez. O
rapaz a beija novamente e ela própria tira a peruca. Levanta-se.
MOÇA: O
que a gente faz quando o mundo vestir isso na minha cabeça outra vez?
RAPAZ:
(se levanta e se aproxima dela) Ah,
ué, sei lá. A gente... Tira de novo.
Juntos.
MOÇA: O
tempo ruim passou de novo.
RAPAZ: Eu
te acompanho no seu caminho. Pode ser caminho pra mim
Seguram as mãos e caminham
em direção à saída.
MOÇA: Vou
fazer um bolo de cenoura.
Saem.