Liliana (exercício de dramaturgia)

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Fui expulsa. Não faz sentido pra mim isso ter acontecido... Logo eu, que cresci ali, formada, criada pra viver ali. É como se eu nunca tivesse existido, como se eu existisse para a função de coadjuvante na vida de um homem. Não sei por onde começar agora que não tenho mais aquelas pessoas ao meu lado.

Tudo por que disse aceito, porque disse sim. Estive naquela igreja a vida inteira, prometida pra casar com ele.  Surreal pensar nisso, porque era informal, mas acho que nunca escolhi. Casei virgem. Ele foi meu primeiro, e eu fui sua primeira. Tinha vergonha de ficar nua. Tinha vergonha de deixar a luz acesa.

Eu nunca vou esquecer o terror que senti quando tive, por obrigação, que servi-lo na cama. Mas ele foi carinhoso. Me pediu para fechar os olhos, me abraçou, e acariciou minhas costas, meus cabelos. Eu o quis.

Lembro que, na cama, ele acariciou minha barriga, e me contrai inteira. Eu nunca tinha sentido nada daquilo. Não sabia que existia esse tipo de sensação. Não era pele, era intestino, estômago, coração, pulmão, imaginação. Então ele começou. Foi bom.

Foi bom. Mas foi bom e só. Como um filme maravilhoso com final... Um final ruim. E foi assim meses. Até que numa noite eu o virei e me sentei sobre ele e foi... Uau. Foi! Eu comecei a gemer como nunca, e nem sentia vergonha. Mas acabou. Aquela rigidez dele desapareceu, de repente.

Nos dias que seguiram, não nos tocamos nem conversamos. Um dia ele chegou determinado, faminto, e me beijou, me apertou, e começou com seu jeito sem jeito, sem pensar, juro que não quis, me percebi por cima e mais uma vez ele desistiu.

De repente ouço conselhos do pastor dizendo que eu deveria ser menos afoita, porque o sexo é para o marido. Como assim? Se fosse pra ele, “só pra ele”, eu sentiria sono, não sentiria tesão. Eu gosto, eu quero, e quero com ele. Era uma vergonha ouvir isto do pastor. Ele que me viu crescer, que nos juntou.

Mas ai eu descobri que agora era assunto entre as irmãs da igreja. Eu era sem vergonha. Decidi confrontá-lo. Ele disse que eu não era uma mulher de respeito. Uma mulher para se viver ao lado.

Peguei minhas coisas, e fui para o interior, onde minha avó morava. Fiquei meses lá. Sai com outros homens. Poucos. E foi maravilhoso. E não, eu não era puta, nem suja, nem merda nenhuma. Eram caras legais. E bons na cama. Mas eu ainda o amava. Eu voltei, e descobri que ele já tinha outra dentro de casa. Que o pastor lhe apresentara. “Esta sim, perfeita pra ele”, me disse o pastor. A mulher parecia feita de um pedaço dele, tamanha a obediência. Nem saia de casa. Falava pouco.

O pastor me pediu para não procura-lo. Para não tenta-lo. Tentá-lo. Eu o amava, mas gostava de sexo como ele, queria sentir e viver como ele, ficar por cima, como ele, pagar as contas, e não era digna? Era um diabo tentando-o para o mal?

Ontem à noite ele veio me visitar. Evelyn, o nome da mulher dele. Estava em sua casa, cuidando do bebê que tiveram. Ele dormiu aqui.

 

Texto escrito durante um exercício de dramaturgia durante o Curso de Introdução ao Método do Ator no CPT – Centro de Pesquisa Teatral, dirigido por Antunes Filho, em fevereiro de 2017. A proposta era criar um monólogo curto contemporâneo inspirando-se em algum arquétipo. Escolhi Lilith para meu exercício.

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