Maria Moça e Dona Maria – Parte 2
Dona Maria entra com uma caneca vazia.
DONA: Minha Nossa Senhora, eu só tenho a agradecer mesmo. É tão bom ver o filho dormindo. As vezes eu penso que trabalho duro pra dar algo de bom do mundo pra eles. As vezes eu penso que eles é que são algo de bom que tenho pra oferecer pro mundo. Minha menina mais velha vai ser enfermeira, e o outro já trabalha ajudando na cozinha de um restaurante.
Entra Maria Moça, lentamente. Não carrega mais um bebê.
DONA: Perdoa a minha patroa, porque ela não sabe das dores que já tive na vida, Senhora. Ela não tem como saber. Não moro num lugar perigoso porque quero, mas é o que deu, e isso aqui eu só agradeço, não reclamo não. É tão ruim andar pra frente sem ter ideia de onde vai parar. Não reclamo das mudanças da vida, mas da falta de esperança mesmo.MOÇA: Até quando que vai ser assim? Não reclamo de Deus, eu quero entender e só...
DONA: Eu ainda penso no meu Zé Luiz. O que teria sido se ele não tivesse morrido no meio do caminho.
MOÇA: (ajoelhando-se) Ai que dor, embalar meu menininho e cavar um buraco pra esconde-lo do urubu. O urubu também tem fome, mas como eu ia deixar meu anjinho morto ao relento? E agora eu to sozinha, e se eu morrer, nada disso vai ter feito diferença.
Ambas olham para as mãos.
DONA: É como se eu ainda tivesse na unha a terra que cavei pra esconder meu menino.MOÇA: Se eu morresse, ou mesmo se eu esquecer da pessoa que sou, será que Deus vai se lembrar? Meu menino nem cara de gente chegou a ter.
DONA: Eu não lembro do rostinho dele... Mas eu lembro que imaginava ele correndo pelo quintal. Nem cresceu pra isso. Mas eu queria poder voltar no tempo, sabe, só pra olhar nos meus olhos e me dizer...
MOÇA: Quantos filhos eu vou perder pra fome e pra miséria? Será que tudo isso é em vão? Será que nunca serei livre?
DONA: Toda aquela desgraça teve um fim. Até pareço pobre pra muita gente, mas Deus é testemunha do tantão que minha vida mudou.
MOÇA: Eu não posso ficar aqui. Não, Seu Urubu, é bom procurar outra coisa pra comer. (levantando-se) Eu não vou desistir! Do passado já não me resta nada. Só o que me resta é encontrar o futuro, nem que morra pelo caminho. (e sai)
DONA: Se soubesse que aprenderia algo com os problemas, sofreria menos. Mas... Se a gente soubesse que ia aprender, não aprendia. Resignação é uma palavra bonita que eu aprendi faz pouco tempo. É o sentimento que a gente usa pra lidar com dificuldades que aparecem... E seguir em frente. (sai)
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