A Frescura da Depressão
Depressão parece frescura. E é deliciosa e irresistível justamente por essa razão.
A depressão é como uma sobremesa tóxica que parece derreter na boca, que você nem se dá conta de que faz mal e inevitavelmente vai te matar se não parar de comer.
É como uma grande poltrona, macia, que parece se moldar completamente à forma de nosso corpo para nos acolher sem que precisemos mudar de posição para encontrar conforto. E de tanto se adaptar à nossa forma, não conseguimos levantar dela. Ficamos presos.
A depressão é aquele relacionamento que começa com um flerte inocente e que termina como um relacionamento abusivo condenado à subjugação da nossa autoestima. Aquela amizade falsa que sempre diz que estamos certos, especialmente quando estamos errados, e quando sucumbimos, desaparece da nossa vida. E estamos sós. Assim é a depressão.
Afinal de contas, é de fato um inimigo invisível, e por tanto, é razoável que as pessoas pensem que é frescura. Como é que você vai explicar um mal tão abstrato ao qual irreversivelmente você foi exposto, ou exposta? É como uma paixão irresistível.
Ao invés de brigarmos com as pessoas que dizem que é frescura, porque não darmos mais atenção aos sintomas que caracterizam a frescura? A reclamação de um estado de tristeza que é maior do que os motivos que ocasionariam a suposta tristeza. Popularmente conhecido como “Tempestade em copo d’água”. É um sinal de frescura. E de depressão.
A solidão excessiva. A pessoa sabe que é amada e que pessoas, ou ao menos uma pessoa, a aprecia e incentiva coisas boas. Porque se sente só, ainda assim? Realmente parece frescura. Mas sabe, uma coisa que a vida me ensinou é que o maior problema das doenças emocionais é o preconceito. Também de quem vê de fora, mas principalmente o preconceito de quem as tem.
Inúmeras vezes eu conversei com amigos e amigas e disse “o motivo que te faz sofrer, sentir essa raiva, tristeza, solidão, ou o que quer que seja, é ínfimo comparado à proporção da sua tristeza ou solidão. Isso é um sintoma de depressão. Vamos a um médico. Eu vou com você”.
“Você tá me chamando de louca, você é machista!”. Eu ouvi essa reação de três mulheres diferentes. Apenas uma delas decidiu procurar ajuda. E ela descobriu que tinha Síndrome de Borderline. Sabe o que aconteceu à essa mulher admirável?
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Alessandra Thaz é artista plástica e arte-terapeuta. |
Ela ouviu uma pessoa falar sobre como ela se sentia. Uma pessoa que não era um familiar, um amigo, ou amiga, com opiniões formadas a respeito dela. Mas alguém que tecnicamente conhecia a casos semelhantes ao dela.
Ela descobriu que não era louca, apenas tinha, de fato, vivido desde a infância experiências que a expuseram a níveis altíssimos de stress, rejeição e tristeza, e que com o tempo descaracterizaram sua capacidade de lidar com emoções de uma maneira saudável.
Por tanto, de fato, ela já não tinha mais problemas tão graves em sua vida, mas lidava como se tudo fosse uma enorme calamidade. Começou a tomar um medicamento, acompanhada por médicos especialistas, e isso a ajudou a acalmar a maneira descompassada com que lidava com suas emoções. E conseguiu finalmente ter foco, trabalhar, criar, e vive hoje na sua fase mais inspirada e criativa.
Eu quase cometi suicídio duas vezes. Quase. Cheguei tão perto, mas tão perto... Todas às vezes que eu me encorajava a fazer(e nem sei se a palavra é encorajar porque, emocionalmente, é como se chegássemos a um pico de tristeza ou decepção em que a emoção se anula), vinha um pensamento: “e se a minha vida vier a dar certo algum dia, seja semana que vem ou daqui há 20 anos... De um jeito ou de outro, Esse tempo vai passar”.
Eu sei o que é depressão, e eu conheço aquele último lugar dela. Aquele em que as emoções esvaziam. Em que a última gota de empatia que sobrava no nosso cérebro se esvai. E que tirar a própria vida deixa de ser uma coisa difícil.
Ter um sonho foi o que me ajudou a sobreviver. Sobreviver, não a viver. Não subestime as suas agonias, raivas, tristezas e solidão. O mundo nos propõe experiências profundamente dolorosas. Mas nós temos poder de superar a todas elas. Falo por experiência própria.
Eu tinha um sonho para perseguir, e com o tempo, mesmo ele começou a perder o sentido, porque é difícil. Não tenha vergonha de precisar de ajuda, e não tenha vergonha de tomar um medicamento. Se alguém te julgar por isso, essa pessoa está julgando alguém que está buscando ter paz e sossego.
Essa pessoa vai debochar do alguém que quer ser uma pessoa melhor para si e para o mundo. Quem tem que se envergonhar é quem ri, não você. Você tem que se orgulhar por tentar. Por insistir uma segunda vez, uma quarta, uma vigésima vez. Você merece ter orgulho de si.
Eu sei que muita gente gosta de me criticar por eu ser audaz com minha autoexpressão. Com o fato de que se alguém elogiar algo que eu faça, eu vou dizer “obrigado” ao invés de rejeitar o elogio e complementar com alguma observação auto-depreciativa para soar humilde e modesto.
Eu sei que sou bom nas coisas que eu faço.
Eu sei que sou bom nas coisas que eu faço porque o amor a elas me fez sobreviver à tristeza e a solidão. E a duas tentativas de suicídio. Só eu sei por quantos anos eu andei por uma floresta escura, com medo de ser estraçalhado e devorado por qualquer criatura medonha que pudesse me destruir. E morrer sem que ninguém soubesse quem eu realmente sou.
E sobrevivi. Sobrevivi aos medos, vergonhas, julgamentos, tristezas e solidão. Por tanto, eu mereço ter orgulho de mim, e quem questionar o orgulho que eu tenho em ser quem eu sou, definitivamente, precisa de ajuda. A mesma ajuda que eu precisei um dia. E não tive, e quase sucumbi.
Nunca mais farei qualquer comentário depreciativo a meu respeito. Nem aceitarei. E quando alguém me elogiar, seja por algo que fiz, ou minha aparência...
A minha resposta sempre será “Muito obrigado”. Eu mereço elogios. E hoje, finalmente, eu sei disso.
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