Quando Ezequiel era um menino, vivia sempre junto de Marcos e Nilson. Seus melhores amigos. Viviam em uma favela muito grande na zona norte do Rio de Janeiro. Marcos era filho de mãe solteira, Ezequiel, por sua vez, tinha pai e mãe. Seu pai fora cobrador de ônibus até os quarenta anos, quando levou um tiro de bala perdida e morreu.
Nesta época, Ezequiel tinha treze anos, um irmão de oito, Ernesto, e uma irmãzinha, Clarice, de seis anos. Sua mãe, dona Gleice, o pediu que deixasse a escola para ajudar trabalhando. Foi o que aconteceu.
Ezequiel ajudava feirantes, trabalhava em mercadinhos, vendia picolés na praia. Até que sua mãe adoeceu. Quando isso aconteceu, ele tinha quinze anos. Conseguiu que seu irmão, Ernesto, trabalhasse em um mercadinho, e ele começou a trabalhar também durante a noite.
Fazia tempo já que não via seus amigos. Não tinha dias de folga, porque não tinha trabalho certo. Dona Gleice estava com pneumonia. Sua irmãzinha era a responsável pelos cuidados e apesar de conseguirem remédios gratuitamente, tinham despesas altas para transportá-la.
Certa vez, pelo meio do mês, ou comprava um xarope para sua mãe, ou se alimentariam. Optaram por tratar Dona Gleice. Ela tinha sorte, sabia, que tinha filhos gentis e honestos. No resto do mês comeram arroz e “nuggets”, que Ernesto pedira como adiantamento de seu salário.
Mas então cortaram a luz e a água.
Ezequiel, sem noticias de seus amigos, ficou surpreso ao ver que Nilson estava na favela exibindo sua moto nova. E era uma moto de respeito. Verde, caríssima. Ezequiel estava a dias dormindo algo entre três e cinco horas, mas ainda cansado, chegando de um dos trabalhos, foi cumprimentar o amigo.
Nilson gabara-se que agora era rico, e comentara que Marcos havia tomado um tiro e morrido no trabalho. Depois da triste revelação, convidou Ezequiel para trabalhar com ele. Era fácil. Apenas levar drogas para clientes já conhecidos, e ocasionalmente descerem para render algum turista desprevenido.
Ezequiel olhou para a moto, e pensou na velha Gleice que gemia na cama. Como foi doloroso negar aquela oferta. Mas o fez. Voltou para sua casa, e antes de dormir, sua irmãzinha contou que sua mãe tinha um câncer dentro do pulmão. Sua irmãzinha não demonstrou emoções em lhe dizer o fato.
Naquela noite ele não dormiu. Passou pouco mais de uma hora deitado, quando ele foi até sua mãe, naquele mesmo cômodo apertado, e se ajoelhou. Ela dormia sentada, com o peito virado em direção ao espaldar da cadeira. Ezequiel colocou seu relógio vagabundo, e saiu. Caminhou sem pressa até o barraco onde Nilson morava.
Nunca vira uma televisão tão grande.
“Presente do chefe”, disse ele, feliz.
Nilson disse que era um dia de sorte. Teriam um trabalho bom, e seriam só os dois. Teria um lucro legal. Fariam uma entrega para alguns playboys da zona sul.
Estavam em uma ruazinha na região da Lapa. Nilson disse que ele deveria vigiar um dos acessos da rua, para avisar sobre a chegada de policiais. Apesar de pagar propina à polícia.
Lá ficou Ezequiel, pensando em sua vida. Queria uma namorada. Mas não tinha tempo para isso. Queria tomar banho, mas não tinha nem luz, nem água. Queria comer no Mc Donald. Comera lá pela ultima vez quando fizera onze anos. Nunca mais.
Barulho.
Ele olhou para Nilson, Nilson fora baleado, e algumas pessoas corriam, outras eram presas. Ele correu também.
Longe, ele parou. Pensou se teria culpa pelo tiro que Nilson levara, mas Nilson estava armado também. Quem sabe não teria feito alguma idiotice. Olhou para o relógio, estava no meio do caminho, e a tempo de ir para seu trabalho. Seguiu seu caminho. Dona Gleice iria morrer de qualquer jeito.
Conto publicado originalmente em 23 de abril de 2012 no jornal português Horizonte Vilacovense |
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