MARIA MOÇA E DONA MARIA - Parte 1

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Entra uma moça jovem, com um bebê adormecido nos braços. Ela é Maria Moça.

MOÇA: Queria água fresca, não sabe? Mas é pra mim, não. Meu menino ta quente, pobrezinho. Sei não se ele guenta até chegar na cidade. Esse tempo seco e quente judia demais das crianças...

Entra uma senhora parecida com a moça, varrendo o chão. Ela é Dona Maria.

DONA: To com medo dessa chuva. Se a menina pegar chuva pelo caminho, o que é que vai ser dela, pobrezinha... Não chega em casa. Ela ta fazendo curso pra ser enfermeira. É minha mais velha.

MOÇA: O chão parece ficar mais quente a cada dia, meu filho mais pesado. Parece que vou levar um ano pra chegar na cidade. Mas é como se tivesse sido ontem que a gente abandonou a casa. Mas a verdade é que já se passaram quatro dias. Não dava pra continuar...

DONA: Eu tenho fé que minha menina não vai precisar limpar banheiro de gente estranha não. Não que eu esteja reclamando, que eu fiz muita coisa pelas crianças graças a banheiros e cozinhas que tive pra limpar. Mas eu quero que os meninos possam ir além de mim, não sabe? Eu sei o que eu já passei. Não que eu reclame das coisas ruins, porque já tive muita dor nessa vida de meu Deus, mas quero que os problemas deles sejam outros, não fome e sede.

MOÇA: Meu filho foi meu pai que botou em mim. Paínho morreu quando a gente tava lá em casa ainda. Tenho que confessar que fiquei triste, não. Não que eu tivesse raiva dele, mas tava difícil fazer tudo sozinha. Depois que ele morreu, peguei o menino e fui-me embora. Tive medo, não sabe, de esperar chover, rio encher, e o menino não guentar. Posso ficar com fome não, que tenho que dar leite pro menino.

DONA: Mas eu to preocupada com essa chuva... Porque esse morro pode deslizar lá pra baixo. Fico pensando no que sentiu a Inês quando o barranco foi levado pela chuva. Mas o que eu vou fazer? Vou sair daqui e ir para onde? Tirar os meninos do rumo que eles tão? Eles vão ter uma vida melhor que a minha.

MOÇA: Aquele urubu tá rodando lá em cima desde ontem. Eu acordei com ele perto de mim, querendo ver se eu estava viva. Ah, como eu queria matar esse bicho lazarento! Quero me ver livre de você, sua coisa irritante, me deixe em paz. Eu quero me ver livre dessa coisa. Quero me ver livre de morrer... Vou continuar a andar, porque não quero morrer aqui. (e sai)

DONA: Eu rezo toda vez que chove, não sabe? É o medo de acabar tudo no meio de uma noite de sono. É isso ou viver de aluguel, e acabar parando na rua se perder trabalho. Eu quero que meus meninos sejam livres, não sabe? Porque eu vivo sempre prisioneira das condições em que vivo. (saindo) Tô preocupada com essa menina que não chega.





(CONTINUA)

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