Vou falar sobre racismo.
Sim: eu sou uma pessoa branca e é com outras pessoas brancas
que quero conversar. Acho importante começar dizendo isso, porque sei como é ofensivo
para uma pessoa negra ver uma pessoa branca “explicando” racismo. Concordo que
é um desrespeito e a ideia desse vídeo não é fazer um “whitesplaining”, mas
contar, como pessoa branca que sou, como descobri que o racismo existe, que eu
próprio era racista, o que escolhi fazer com relação a isso e conversar com
outros brancos sobre o assunto.
Com brancos, sim, porque embora a população negra seja a
vítima do racismo, só quem realmente tem o poder de mudar isso no mundo, de verdade,
somos nós.
Porque nós somos beneficiados pelo racismo. E negar isso é
como negar a qualquer lei da física, como a lei da gravidade. Se você cuspir
pra cima, vai cair na sua testa. É uma questão de ordem natural. E o racismo
foi naturalizado nas casas de nossos antepassados.
Eu, Alex Pedro, cresci numa casa paulistana aonde era normal
ouvir piada de preto, piada de pobre, piada de nordestino, piada de português, piada
de gordo, piada de caipira, piada de bicha, piada de loira. Quando meu pai se
juntava com os dois irmãos dele, não dava pra saber quem era mais racista, quem
era mais xenofóbico, homofóbico, e mais hipócrita, também.
Quando, lá pro fim dos anos 90, pessoas começaram a ser
presas por conta de crimes de racismo. - - “Crimes de racismo, sim, porque racismo é
crime” - - eu estava na escola. No início da minha pré-adolescência. E eu
descobri que aquelas piadas ofendiam pessoas que eu gostava, eu comecei a olhar
pra minha família e percebi com um sentimento de desilusão, o tamanho da
insensibilidade que um monte de gente que eu amava, e ainda amo, tinha.
Perceber que uma pessoa que eu amava era racista, e que eu
próprio havia sido por tanto tempo, foi doloroso, porque eu nunca me vi como
uma má pessoa e me dar conta de que eu estou conversando com esse amigo, ou
essa amiga, mas em casa eu estou rindo da sua pele ou qualquer detalhe de sua
fisionomia ou origem, me forçou a repensar meus valores.
Porque eu não escolhi ser assim, pensar assim e rir disso.
Foi uma herança de família, um presente tosco que ganhei sem ter pedido e que
passei a usar sem me dar conta.
E ai eu percebo outra coisa: tá, eu parei de rir disso, parei
de propagar... Mas eu estou vendo pessoas insistirem em discriminar... Seja num
grupo de WhatsApp de trabalho ou família e vejo um primo ou colegas compartilhando
“piada racista”, montagem debochando de uma travesti (sendo a travesti mais
bonita que a mulher dele, diga-se de passagem), e estou em silêncio...
Não estou muito melhor que eles... Certo?
Quando você entrar num shopping, olhe para a cor da pele das
pessoas que trabalham numa loja de roupa de marca, roupa cara, e olha para as
pessoas que trabalham no McDonalds ou Cinemark, ou em um mercado, que são
considerados pela classe-média subempregos.
Entra numa agencia do Itaú, Bradesco, Santander, e numa
agência da Caixa ou do Banco do Brasil. Entre na sala dos professores de uma
escola particular e entra na sala dos professores de uma escola pública. Liga a
televisão.
Quantas pessoas negras tem papel de protagonista em novela?
Qual a narrativa de sua personagem?
Vai no teatro, vá ao cinema. Mesma pergunta.
Porque toda vez que uma pessoa negra ganha um Oscar vemos sua
raça ser mencionada nas manchetes de jornal que os parabenizam? Porque é raro. O
dia em que a loja Marisa decidiu botar mãe e filha negras num comercial de dia
das mães, o comercial foi considerado ativista.
Ativista?
Eu não escolhi ser beneficiado pelo racismo. Me perdoem por
ter sido. Não escolhi.
Mas sou. Eu sei que eu sou. Sou porque o racismo se tornou
algo tratado como natural na nossa sociedade. E na vida e na casa das nossas
famílias de pele branca a gente só é lembrado de racismo não quando somos
racistas, mas quando alguém nos diz que acabamos de ser.
E ser chamado de racista dói porque a gente não quer
acreditar que somos egoístas e insensíveis, porque não escolhemos isso, ao
menos muitos de nós não escolhemos. Não escolhemos nos beneficiarmos disso, e
ai vem o esforço em desconstruir o debate. E relativizar a dignidade da pessoa
negra. E precisamos parar de fazer isso.
Porque se eu estou sendo egoísta e insensível, ao invés de
silenciar quem está me mostrando que estou sendo assim, não seria melhor
simplesmente pensar no assunto e considerar que se esse é realmente o caso, “Eu
tenho o direito de aprender, mudar e melhorar”.
Voltando ao comercial da Marisa, lindo, por sinal...
Não é ativismo compartilhar o espaço e a plataforma com as
vozes que foram sufocadas pela história, e englobamos entre essas vozes as
vozes do povo africano e seus descendentes pelo mundo, a população indígena,
lgbts. Não é nenhum favor reparar o passado, muito menos é um motivo de
vergonha.
E o primeiro passo para mudar o mundo e escrever um futuro
novo é aceitar que temos sido beneficiados, e parar de minimizar e chamar de
vitimismo a súplica por respeito de tantas famílias, que só querem que a
constituição valha para elas tanto quanto vale pra você e para mim.
Eu sei que existe um desejo de honrar nossos antepassados,
mas não seria uma oportunidade perfeita aprendermos a honrá-los reconhecendo os
erros deles e corrigindo na nossa geração?
Eu sei que ao longo da minha vida, especialmente até o início
da minha adolescência, tive condutas racistas, machistas, xenofóbicas e eu
escolhi olhar para cada uma dessas ações, e encerrar essa tradição familiar.
Essa cultura que gera volência. E não perpetuar isso para meus descendentes.
Não escolhemos sermos beneficiados pelo racismo hoje, mas
podemos escolher compartilhar um mundo de justiça e oportunidade entre todos,
como irmãos e como uma grande família num futuro próximo.
E só nesse dia é que não precisaremos mais nos preocupar com
violência e corrupção, porque todo mundo vai ter autoestima. Pessoas com
autoestima não precisam se certificar de que alguém tenha menos pra se sentirem
importantes, pessoas com autoestima não roubam, não matam, não mentem, apenas
constroem.
Toda vida importa. Lógico.
Mas hoje falamos destas, cuja dignidade tem sido subjugada
por um sistema social criado pelos nossos antepassados, não pelos deles. Eu
escolho deixar esse velho mundo cheio de diferenças para trás e convido você a
fazer o mesmo. E não espere ganhar elogios ou gratidão ao fazer isso, porque
fazer a coisa certa é uma questão de responsabilidade, não é um favor.
Deixarmos preconceitos para trás não tem a ver com melhorar o
mundo, tem a ver com consertar o passado. Melhorar o mundo é o que vem depois
disso. É dar oportunidades para que qualquer criança possa crescer e se tornar
um grande cientista, médico, artista ou atleta. E ser alguém capaz de mudar o
mundo.
Minha conversa aqui foi com pessoas que, como eu, não lidam
com a violência do racismo na própria pele, mas se por ventura tiver ofendido a
alguma pessoa que sofra qualquer discriminação, já antecipo meu pedido de
desculpas.
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